segunda-feira, 6 de julho de 2009

Antologia Beco do Crime

Pois pois, hoje recebi uma extraordinária notícia: um conto meu foi selecionado para entrar no livro Antologia Beco do Crime - O melhor da Literatura Policial, uma realização do site Beco do Crime e que será lançado pela Editora Multifoco. Nossa, estou muito feliz, mas muito feliz mesmo. Aí está a relação de contos e seus respectivos autores selecionados:

A Janela do Segundo Andar

Kássia M.

A Morte é Cinza

Alexandre Coslei

A Terceira Lei

Josué de Oliveira

Até Logo, até Breve

Alexandre Gazineo

Balas ao Luar

Oscar Bessi

Benfeitor

Plínio Gomes

Cinzas

Márcio Renato Bordin

Como se Fosse da Família

Marcos Almeida

Condenado

Renato Cassaro

Impasse do Desejo

Vanise Macedo Maria

Laica

Fabiane Guimarães

Livre Arbítrio

Beto Guimarães

Na Mente do Psicopata

Yubertson Miranda

O Amor por Ester

Raphael Montes

O Desafogo do Aprendiz

L. C. Lima

Parceiros

Giselle Sato

Pesadelos

Cisticerco

Quem Matou o Tio Quim

Valdeci Garcia

Replicante

Denise Ravizzoni

Sociedade

Danilo Faria

Surto

Beto Canales

Viuvez

Paulo Mota

Grande abraço a todos que andam por aqui.

sábado, 4 de julho de 2009

Benfeitor

A vida de meu filho foi fadada ao sinistro, ao obscuro, à morte. É duro para um pai assumir isso, reconhecer um filho, o único filho como um assassino. Mas não como qualquer um, não como os que aparecem nos noticiários.

Tudo começou no dia em que ele nasceu, num ano bissexto, dia vinte e nove de fevereiro. Ao dar a luz, minha esposa não resistiu ao esforço e a quantidade de sangue que perdeu. Queríamos muito um filho. Uma criança daria alegria completa. A gravidez foi arriscada desde o início, não chegou a completar os nove meses.

Depois, quando levado para a incubadora, ficou junto de outras cinco crianças prematuras que nasceram nos dias anteriores. Todas morreram com uma infecção fulminante após sua chegada, ele nada teve, pelo contrário, apresentou uma recuperação rápida, como se ele se fortalecesse a cada morte que causasse. Foi tido como um herói, pelas enfermeiras e médicos, por superar a morte duas vezes. Eles não sabiam que ele é quem trazia a morte consigo e eu estava ali, dividido entre a felicidade de um filho vivo e tristeza da companheira morta.

O garoto foi crescendo e eu ia me assustando com sua frieza e com a capacidade de andar lado a lado com a morte, com a destruição. Todos os animais que ele ganhava morriam. Brinquedos eram quebrados, destruídos, reduzidos aos cacos. Aos cinco anos quase não falava, era amedrontador, estranho.

As coisas começaram a tomar uma proporção gigantesca quando uma menina apareceu sufocada com um saco de lixo na escola. A menina era coleguinha de meu filho. Eu não sabia o que fazer, tinha certeza que havia sido ele. Aguardei a poeira baixar e o tirei da escola, na verdade deveria tê-lo entregado a polícia, mas com que provas por um menino de oito anos na cadeia?

Dentro de casa ele se tornou mais perigoso, agressivo, asqueroso. E o seu silêncio me incomodava profundamente, eu falava, perguntava, tentava ter alguma conversa, mas ele nada dizia só me olhava com os olhos secos. Era nítido o seu desprezo por mim, seu pai. Seu quarto fedia, ele fedia. Magro, quase cadavérico, sem cor, pálido. Com o passar dos dias surgiam notícias de pessoas assassinadas nas redondezas de nossa casa e bairro.

Depois que meu filho completou treze anos, as notícias aumentaram, como que para dar algum sentido a sua vida de inércia. Ele precisava encontrar a morte que lhe trouxe a vida – uma senhora morta a pauladas; um homem com a garganta cortada; gatos e cachorros sem cabeças; crianças asfixiadas; mendigos queimados. A polícia fazia suas rondas e investigações, mas não conseguiam nem provas e nem por as mãos no assassino. Mas eu sabia que era ele. A angústia, o medo e o horror me perseguiam.

Numa noite esperei ele sair e fui atrás dele. O vi entrando na casa de três senhoras irmãs e viúvas. Ele entrou pela porta da frente, como se elas permitissem sua entrada. Aguardei um pouco e fui bater à porta. Não havia surpresa para mim. Ele veio atender todo melado de sangue, frio, calculista. Certamente já tinha esquartejado as três. Aquilo era demais para um pai. Peguei o 22 que levava comigo e descarreguei nele. Oito disparos. Seu rosto permaneceu sínico, gélido, mas eu já não sentia mais medo dele. A vizinhança ouviu os tiros e chamou a polícia.

Estou preso por três meses aguardando julgamento. O defensor público disse que eu não saio daqui tão cedo. Acusaram-me do assassinato das três senhoras, do meu filho e de outras tantas mortes que aconteceram nas redondezas. O infeliz não deixava marcas e nem digitais em seus crimes, era meticuloso. Logo eu, um benfeitor? Mas ninguém acredita num pai que mata o filho, mesmo que esse seja a própria encarnação da morte, do próprio demônio.