segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Assassinos S/A vol. 2
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Bienal, Antologia Beco do Crime, Beto Canales

sábado, 5 de setembro de 2009
Antologia Beco do Crime
O sangue o desperta. Em mundos sombrios que põe a prova a razão humana, ele segue a trilha do mais perigoso e cruel predador existente. Muitas vezes, a linha divisória entre caçador e presa torna-se tênue. Ele tem ciência, entretanto, que deve ser mais inteligente que o mais inteligente dos assassinos para fazê-los pagar por seus crimes e evitar novas mortes – talvez, a sua própria.
Em um palco, eles lutam. Em tramas repletas de reviravoltas, se confundem. Às vezes, se unem. Podem, até, se perdoar. Mas, não importa em qual situação, se completam.
Você está desafiado a acompanhar estes duelos, a desvendar estas tramas, a perder-se nos rios sinuosos e ilusórios da literatura policial, onde nada é o que parece – ou não.
Puxe uma cadeira, prepare-se para o inusitado e acomode-se. O show já vai começar.
No Beco do Crime.
domingo, 23 de agosto de 2009
Nossa Senhora do Bom Parto
Um dia de cão. A estafa me consome. A medicina é uma benção, mas para quem decide trilhar por esse caminho precisa estar preparado para dias como o dia de hoje. Tudo que precisava era de algo que me tirasse do ar, para eu não pensar em nada, em nenhum ser humano.
Meus colegas dizem que os seus plantões dão até para tirar um cochilo. Mas parece que todos decidem ficar doente do sábado para o domingo, justamente o dia do meu plantão. Tive que reanimar três pacientes com parada cardíaca. Outro com câncer que ainda não tinha sido diagnosticado, mas pelo andar da carruagem da morte, ele não demora muito, está em estágio avançado.
Tudo isso cansa muito. Escolhi a medicina por amor, por paixão. Dinheiro é bom sim, não sou nenhum comunista, gosto do dinheiro, mas a medicina está em minha vida acima de qualquer coisa. Mas desde que me formei, depois de acabar a residência, nunca tirei férias, e lá se vão quatro anos. Estou muito cansado, preciso desligar.
Foi aí que descobri o quanto o clorofórmio faz bem. Tinha ouvido de outros médicos, que não existe nada melhor para relaxar que cheirar clorofórmio. A ação é rápida, um estado de sair de dentro de si, de perder o controle dos músculos. Dou risada sozinho, realmente me sinto bem quando estou cheirando. Sempre consigo com os amigos farmacêuticos, daí depois dos plantões gosto de espairecer. E quando chego a minha casa, todo o estupor já passou.
Mas parecia que os santos todos não estavam indo muito com minha cara. Peguei um puta transito até chegar ao beco que sempre paro o carro e relaxo e que fica próximo a minha casa. Mas num percurso que faço em no máximo vinte minutos em dias normais, hoje fiz em quase uma hora. Mas tudo bem, afinal, eu estava próximo de me desligar de tudo, porque depois de cheirar bastante, eu iria para um bom banho e depois cair na cama.
Parei o carro, antes de tudo, fumei um cigarro. Mas fumei como se deve fumar – apreciando cada tragada, não pensando em nada além do ato de fumar. Foi nesse momento que vi uma mulher passar pelo carro, até levei um susto. Mas relaxei. Era uma dessas moradoras de rua. Ela estava acompanhada de muitos cães, alguns inclusive com calazar. A mulher carregava um saco cheio de vasilhas plásticas, certamente as tinha catado nos lixos da cidade. Eu já tinha visto essa mulher pelas redondezas e sabia inclusive que ela estava grávida. Sua barriga estava enorme. Ela fumava um cachimbo. Mas depois percebi que não era um cachimbo comum, era daqueles que os drogados usam para fumar crack.
Como uma criatura grávida podia fazer aquilo? No ímpeto da ética, na missão da minha profissão pensei em intervir, em ir lhe falar, mas meu estado de estafa não permitia isso, afinal era uma drogada, uma moradora de rua, que certamente estava sorvida pelas drogas há muito tempo.
Voltei a me concentrar no meu momento. Afinal, estava ali para isso. Molhei a gaze com o clorofórmio, e dei a primeira cheirada. Meu corpo começou a deslizar pelo banco do carro. Como é boa essa sensação. Sair de si. E fui cheirando, cheirando. Depois eu já chupava o líquido como se fosse gelo derretendo. E como num feixe de ilusão ouvi um grito. Estrondou pelo beco e por meus ouvidos sensíveis. Eu estava sob efeito do cloro, e tudo passou a ser tenebroso. Saí do êxtase para entrar numa onda de horror. Porque comecei ver tudo de uma forma diferente.
Percebi que além dos gritos, ela chamava por nossa senhora do bom parto. Os cães latiam ao redor dela. E isso dava um ar nebuloso e de pavor ao beco. Sabia que ela estava em trabalho de parto, via como ela se contorcia. Mas eu não conseguia vê-la como um ser humano. Em minha viagem, ela era a sombra louca da noite.
Eu chupava a gaze molhada de cloro e as sensações iam e vinham me deixando mais calmo, me distanciando dos gritos. Mas logo eu conseguia ver aquela sombra feminina e consegui entender que os cães esperavam o filho e um deles poderia ser o genitor da cria que dali sairia. A mulher-sombra-da-noite chamava por uma santa que nunca ouvi falar. E logo ela que a pouco puxava uma fumaça em seu cachimbo, estendia sua voz a nossa senhora do bom parto.
Vi a criança-cão despontar pelas entranhas da mulher, acho que a santa a ajudou, mas era um serzinho miúdo. Os cães rodavam, latiam. Acho que feliz pelo filho nascido. Eu puxava o liquido da gaze. E comecei a entender. Os cachorros esperavam uma refeição. A mulher estava fraca, seu sangue corria. A criança não chorava. Os cães começaram a brigar pela comida. Rosnavam, latiam. Eu nada podia fazer. A mulher estendeu o braço com o resto de forças que tinha e pegou o cachimbo e o acendeu levando-o até a boca. Tragou profundo. Eu dei outra puxada na gaze, acho que estou desmaiando...
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Antologia Beco do Crime
A Janela do Segundo Andar | Kássia M. |
A Morte é Cinza | Alexandre Coslei |
A Terceira Lei | Josué de Oliveira |
Até Logo, até Breve | Alexandre Gazineo |
Balas ao Luar | Oscar Bessi |
Benfeitor | Plínio Gomes |
Cinzas | Márcio Renato Bordin |
Como se Fosse da Família | Marcos Almeida |
Condenado | Renato Cassaro |
Impasse do Desejo | Vanise Macedo Maria |
Laica | Fabiane Guimarães |
Livre Arbítrio | Beto Guimarães |
Na Mente do Psicopata | Yubertson Miranda |
O Amor por Ester | Raphael Montes |
O Desafogo do Aprendiz | L. C. Lima |
Parceiros | Giselle Sato |
Pesadelos | Cisticerco |
Quem Matou o Tio Quim | Valdeci Garcia |
Replicante | Denise Ravizzoni |
Sociedade | Danilo Faria |
Surto | Beto Canales |
Viuvez | Paulo Mota |
sábado, 4 de julho de 2009
Benfeitor
A vida de meu filho foi fadada ao sinistro, ao obscuro, à morte. É duro para um pai assumir isso, reconhecer um filho, o único filho como um assassino. Mas não como qualquer um, não como os que aparecem nos noticiários.
Tudo começou no dia em que ele nasceu, num ano bissexto, dia vinte e nove de fevereiro. Ao dar a luz, minha esposa não resistiu ao esforço e a quantidade de sangue que perdeu. Queríamos muito um filho. Uma criança daria alegria completa. A gravidez foi arriscada desde o início, não chegou a completar os nove meses.
Depois, quando levado para a incubadora, ficou junto de outras cinco crianças prematuras que nasceram nos dias anteriores. Todas morreram com uma infecção fulminante após sua chegada, ele nada teve, pelo contrário, apresentou uma recuperação rápida, como se ele se fortalecesse a cada morte que causasse. Foi tido como um herói, pelas enfermeiras e médicos, por superar a morte duas vezes. Eles não sabiam que ele é quem trazia a morte consigo e eu estava ali, dividido entre a felicidade de um filho vivo e tristeza da companheira morta.
O garoto foi crescendo e eu ia me assustando com sua frieza e com a capacidade de andar lado a lado com a morte, com a destruição. Todos os animais que ele ganhava morriam. Brinquedos eram quebrados, destruídos, reduzidos aos cacos. Aos cinco anos quase não falava, era amedrontador, estranho.
As coisas começaram a tomar uma proporção gigantesca quando uma menina apareceu sufocada com um saco de lixo na escola. A menina era coleguinha de meu filho. Eu não sabia o que fazer, tinha certeza que havia sido ele. Aguardei a poeira baixar e o tirei da escola, na verdade deveria tê-lo entregado a polícia, mas com que provas por um menino de oito anos na cadeia?
Dentro de casa ele se tornou mais perigoso, agressivo, asqueroso. E o seu silêncio me incomodava profundamente, eu falava, perguntava, tentava ter alguma conversa, mas ele nada dizia só me olhava com os olhos secos. Era nítido o seu desprezo por mim, seu pai. Seu quarto fedia, ele fedia. Magro, quase cadavérico, sem cor, pálido. Com o passar dos dias surgiam notícias de pessoas assassinadas nas redondezas de nossa casa e bairro.
Depois que meu filho completou treze anos, as notícias aumentaram, como que para dar algum sentido a sua vida de inércia. Ele precisava encontrar a morte que lhe trouxe a vida – uma senhora morta a pauladas; um homem com a garganta cortada; gatos e cachorros sem cabeças; crianças asfixiadas; mendigos queimados. A polícia fazia suas rondas e investigações, mas não conseguiam nem provas e nem por as mãos no assassino. Mas eu sabia que era ele. A angústia, o medo e o horror me perseguiam.
Numa noite esperei ele sair e fui atrás dele. O vi entrando na casa de três senhoras irmãs e viúvas. Ele entrou pela porta da frente, como se elas permitissem sua entrada. Aguardei um pouco e fui bater à porta. Não havia surpresa para mim. Ele veio atender todo melado de sangue, frio, calculista. Certamente já tinha esquartejado as três. Aquilo era demais para um pai. Peguei o 22 que levava comigo e descarreguei nele. Oito disparos. Seu rosto permaneceu sínico, gélido, mas eu já não sentia mais medo dele. A vizinhança ouviu os tiros e chamou a polícia.
Estou preso por três meses aguardando julgamento. O defensor público disse que eu não saio daqui tão cedo. Acusaram-me do assassinato das três senhoras, do meu filho e de outras tantas mortes que aconteceram nas redondezas. O infeliz não deixava marcas e nem digitais em seus crimes, era meticuloso. Logo eu, um benfeitor? Mas ninguém acredita num pai que mata o filho, mesmo que esse seja a própria encarnação da morte, do próprio demônio.